Textos de Luciano

sobre o caos

me dá raiva essa despreocupação das pessoas daqui. desfilam, todas lindas, em jardins floridos, às onze da manhã, como se viver assim fosse natural. e é, para elas é. não há mágoa, não há bala perdida,
e os que trabalham, fazem isso como se fosse uma parte agradável de suas vidas. e é, para eles é.
e é assim com a comida, e com a música, e, quem diria, até com os turistas.

isso me deixa triste.

não por inveja, mas pelo exato oposto. onde está o pagode alto na esquina? onde está a preocupação com o que você tem, que te é precioso, que pode ser tomado de você?
onde está a ignorância cultural e as grandes descobertas constantes? as novas músicas, as novas amizades, os novos carinhos? onde está o incômodo?
daqui, só vejo raiva desnecessária e imediatamente contida por causa da mulher que passou seu lugar na fila, ou o descontentamento de não ter wifi grátis no café.

não me impressiona esse país ser tão frio.

terra de ninguém

não me pertenço aqui
na verdade, nem lá fora eu me pertenço
nem àquela loira linda que
    passou de bicicleta

porque todo pertencer se perde
em um surto de realidade
que destrói, por um momento
    meu encantamento

estrangeiro

vou por esse caminho
ou por aquele
ou pelo outro

não importa

acabarei sendo obrigado a voltar
e a me
descobrir um pouco mais

teoria da evolução

mentir pra si mesmo
é uma ferramenta evolutiva
para nos manter vivos
em um mundo de espelhos

    assim como o desespero
               a vertigem
               a vontade de morrer

gotemburgo

não faz calor
    nem frio

    nem sol
    nem chuva
só venta

com o vento, fujo pra longe desse lugar
que quase chamo de casa
    (se posso sair com as chaves
    e ir ao supermercado
    comprar pringles e tictac,
    estou em casa)

ando pra longe
    suficiente para não ser achado
        não por alguém que eu possa conhecer

e então paro de mentir pra mim
e deixo-me viver.