Textos de Luciano

cosmético

as pessoas me vêem e me dizem
que nem parece que eu terminei
uma relação tão profunda e tão longa
que eu pareço radiante, leve
e até mais bonito

eu não sei se acredito nisso
que era o que eu precisava pra ser feliz
ou se é porque
todos os dias
uso o sabonete de rosto que ela deixou
pra ver se acaba logo

ao atravessar da fronteira

o amor existe
e não há o que me convença do contrário

mas ele não é uma pessoa, nem um potencial,
não é tópico, trópico, nem tem um pingo de sexual.

ele existe

e se revela
como uma antiepifania que
  em vez de se realizar pela repentina resposta genial
se materializa do ar ao você se propor
  um momento de confusão

entre
  onde termina você
e
  começa todo o resto

    (por favor,
entre)

um encontro

se eu me deixar transparecer, me desculpa
é culpa
minha

juro que tento ser tão leve
como o sol nesse frio
  seu casaco
que é quase um kimono
  de pijama

eu acabo focando muito no que há de mal na vida
e perco o sorriso no desejo
de algo ruim acontecer

essa é a forma que tenho de me forçar
a reagir, me dá a mão
vamos anoitecer

estrela cadente

  uma estrela
só posso ver uma estrela no céu
  a cidade
não me permite mais que isso
é no meio da noite nada mais

que um borrão,
um sorriso,
um desejo

você pode sentir, mas não está lá

no papel
o permanente

marco a página do livro
  com o fio
    do fone de ouvido
e tento fazer algo seu
mas só consigo ser tão preciso
  como o fio
    da navalha