Textos de Luciano

insólito

à deriva
à beira
ao cantar
da sereia
me sinto em xangai
ou em qualquer lugar oposto
onde não me entendam
e meu paladar seja inexato
de adeuses incontidos
de outra forma
de amar
   você

secretária eletrônica

a gente fazia essa brincadeira
  deixe
    por telefone
    depois da voz grossa de meu pai
  uma música
  um verso
  um outro

não sei
quanto gastei aquelas fitas
e lps
quantas vezes ouvi
  sua voz no interfone
quantos
    adeus

nada mais me faz lembrar
como era a vida
  ao tom
    da sua voz

there there

me evita como
  quem evita um carinho

  como quem se conforma
            se deprime

- o mundo é esse e
  não tem mais volta

você não -
  me quer
  e eu te amo

anônimo

minha voz mais forte
soa dentro de mim

por mais que eu grite
ocupo tão pouco espaço

queimo menos que
a chama que esquenta
meu almoço

o que sou pros outros
só importa
    a mim
    não me importa
    nada

por ser muitos não
sou ninguém

heterônimo

quem é esse
que vive minha vida em piloto automático?

que não tem consciência ou memória
há tantos anos
me sinto

    de repente
tão cheio de culpa
          de tristeza

se é esse quem eu sou
quem é esse
    que assina meus papéis
        se finge de feliz

    que engana a todos
        fecha meus olhos
        e me tortura

        ao deixar que eu viva
        três horas
        da madrugada