Textos de Luciano

homônimo

outro dia, meus amigos disseram que
eu sempre serei fernando pessoa

a princípio
   levei como um elogio
   aos meus poemas
   sabendo que estou longe de chegar lá

depois
   como um insulto
   ao meu recolhimento
      minha introspecção
      minha troca de faces

por fim
    como um acerto

        quem é esse que vive minha vida
        e tranca a minha porta?

o eco e a pergunta

dorme bem
já faz tanto tempo que não durmo contigo
entre meus lábios,
tristeza

    você foi, mas deixou a mágoa
        a cicatriz

    você reverbera cada vez mais como
        um sonho bom

    estou cansado de me perguntarem
            estou feliz?

quase religioso

somos quase invisíveis

não precisamos de máscaras
    ou dogmas
    ou risos

de nós,
    só a luz perdida da noite
    os satélites

mas o amor é tão forte
mas o ódio é tão forte

        os nossos olhos
            em órbita
        não conseguem medir
        a força da palavra

fotografia dos próprios pés

parece que é algo íntimo
mas não é nenhum segredo

por onde meus pés andaram
com quem estiveram ou
o que vestiram
na noite
quietos assaltam a geladeira
tomam uma cerveja
e param de dançar, é o trabalho
do coração

atestado de recaída

de certo você já sabe o que me trouxe aqui, pra beber um pouco do seu uísque e secar minhas roupas molhadas de chuva. só não sei se você nota a gravidade do meu problema.
não é tão sério quanto uma depressão, mas há no meu riso um pouco de charlatão, e nos meus abraços um tom de ironia. assim, não posso ficar, muito menos aqui, contigo. você sabe tanto quanto eu o quanto você se sente mal com a minha presença e com a minha despedida.
mas aí você tira minhas roupas e me convida pra tomar um banho contigo, e, não cabendo em mim, me rendo. e contigo compartilho o calor do chuveiro, e o frio de cairmos nus na sua cama, sem nem mesmo acender a luz ou fechar as cortinas.
eu penso que olho nos seus olhos, mas não tenho certeza. ainda é escuro quando vou embora e não sei bem quando volto. você está feliz de novo, meu lugar não é mais aqui. volto quando ouvir a distorção da sua guitarra, sempre na mesma canção - e não tente se aproximar de mim até lá. esse é o seu erro. você pode ser poeta sem mim, é só tentar.

felicidades,
você.