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duas listras

agora está tudo certo. os contratos assinados, os móveis encomendados, os suores esquecidos. é hora de reduzir o ruído de fora pra dar vez ao que vem de dentro.
nove anos e quatro amores me bastaram para entender a capital. meus primeiros sinais de intolerância, traço característico do meu sangue, se revelam nas músicas que retiro das caixas de papelão.
é pra frente, diz a consciência, com uma bandeja de saudosismos. pra frente, grita, olhando pra trás. meu medo de viver o presente só para o tornar lembrança se confirma cada vez mais - cada vez que visto esse casaco de duas listras.
aos quinze, sem muito dinheiro e noção de moda, eu achava o máximo esse casaco de duas listras. sempre via uma ou três, nunca duas. foram só quarenta reais, eu dizia, sem ideia de quanto custava os adidas dos amigos. cem reais por uma listra a mais, listra que demonstrava algo que eu não sabia o que era: status. listra que, hoje, já não me tem mais valor.
e como a segunda listra que demarca a resistência ao óbvio, essa segunda passagem pelo local da minha juventude me faz renunciar aos velhos hábitos. não há ninguém aqui. ninguém que eu possa dizer que conheço. seus rostos são tão familiares e vazios de conteúdo quanto o que vejo no espelho.
mas o que me fez voltar foi apenas um motivo: essa cidade me permite. esse frio me permite. tudo. e assim como o frio, a cidade e os rostos que reconheço, continuo como sempre estive, eternamente um vulto no canto dos seus olhos.

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