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na livraria

    era um menino vestido como eu me vestia aos quatorze. com a mesma paixão nos olhos, com a mesma confusão nos movimentos. e, como eu em minha virtude, visivelmente perdido entre o caos e os sentimentos.
    projetei seu futuro como quem joga os búzios: aos dezesseis, amaria uma serpente; aos dezessete, aplicaria bêbado o que achava que aprendia nos filmes pornôs. aos vinte e um, realizaria que sua teimosia não é nada diferente da de seus pais. aos trinta e dois, pela primeira vez, entraria em pânico com o pensamento de que sua morte não é a mesma que leu na poesia.
    veria que sonetos são antiquados, mas que há espaço na vida pro subjetivo, pro analógico. veria que sua vida é tão feliz e tão sofrida quanto a do outro, mas se sentiria ainda mais sozinho com isso.
    seria gentil nos dias bons, seria áspero nos dias bons. teria dias bons.
    devolvi o shakespeare pra prateleira de uma forma arbitratriamente barulhenta, mas não consegui alcançar seus olhos.

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