pesca

noite aberta
o anzol espeta
a última chance
suspensa no ar

olhar que flerta
sorriso afeta
o último lance
dois a rodar

fuga esperta
lá feito seta
luz e nuance
cama, um mar

por tanta oferta
bateu sua meta
mais um romance
pra se imaginar

ela, roberta,
foi tão seleta
cedeu ao avance
de um tolo osmar

futuro alerta
ferida aperta
por fim descanse
o seu calcanhar

a elegância das janelas abertas

as curvas nos colocavam nos caminhos como mãos em concha. ao redor um verde de mesma cor mas com significados diferentes para cada um. no fundo, ambos com algum saudosismo. saudade um, do tempo de adolescência gasto no trabalho por aquelas terras com a fazenda da família. o outro, dos retiros na infância sob a saia da avó enquanto se empanturrava com as delícias e corria de pés descalços pela praça com o resto da molecada. hoje, enquanto retomam essas estradas antigas por mais uma vez, os dois tem motivos de sobra para olhar para o verde e se lembrarem do passado. seguem no carro ao som de conversas amenas e música baixa. cada um contando para o outro algumas de suas próprias memórias. a última causada pelo telhado que cedeu na casa grande da antiga propriedade da família. o telhado colonial, suas ripas e caibros cederam em seu pico, reduzindo o desgastado alaranjado das telhas por um negro buraco vazado. pensamos nas chuvas, pensamos no sol, pensamos no desgaste e no pouco tempo de vida daquela casa. mas, se por um lado a sua proteção tinha cedido, havia ainda assim um ar de vida naquela casa. as janelas estavam abertas. janelas verdes levemente desgastadas que, com suas abas elegantes, se sobreponham a um branco hachurado. levando e trazendo o ar de uma época de cabeças, estas também, com seus respectivos telhados quebrados. o retrato daquilo que nós dois não fomos nos levava a lamentar não o futuro não trilhado, mas sim a existência daquilo que ao menos o possibilitou: nossos parentes. a herança se pôs silenciosamente em nossos colos enquanto seguíamos rumo a mais um almoço de natal. iríamos dividi-la, saboreá-la e então voltar para nossas casas protegidas.

coma induzido

se atropelou
ao notar a vida
  - carro do ano
    crianças chiando
    pais sem saco
    férias de verão -
na contramão de um caminho
idealizado
    
enfim, conseguir dormir

dentro de si
a ouvir ecos
de sua própria raiva
que diferia do que pensava
numa perseguição
de um ponto rubro alaranjado
qualquer

despertou
embebido no sangue
que não era o seu

pétalas destroçadas
de uma margarida
nas mãos

origamis

  o vento insensível
lambe as lombadas dos livros

num ato desastroso
  derruba nossos tsurus
  feito dos papéis
  com notas de um futuro
    leve como um sopro

febrilmente
  os reposiciono
  com atos desastrosos
    enquanto espero
    a janela fechar

Onde eu sou

Cada vez que eu me busco me afasto de mim mesmo
Cada vez que quero que alguem goste de mim esse alguem se vai
Foi apenas quando eu desisti que tudo fez sentido

A pergunta nunca existiu,
e meu erro foi tentar encontrar a resposta