o fracasso

paulo, aos 26 anos, havia fracassado. pensava isso enquanto tentava conectar os cabos do monitor novo que comprara para assistir a uma série qualquer. aquele espaço minúsculo que chamava de casa mas, na verdade, era um mero conjugado com tacos soltos que teimavam em dar-lhes topadas nos pés. claustrofobicamente posto no maior bairro do rio de janeiro, orgulhava-se por nunca ter mergulhado no mar. saboreava este orgulho da mesma maneira com que dizia só escutar música brasileira. culpava a areia, mas escolhia ignorar os papéis esquecidos pelo chão. culpava a preguiça e gastava horas somente olhando horas. paulo havia fracassado por ter sido incoerente. consigo, comigo, contigo. paulo pensava isso enquanto sintonizava o monitor no hdmi 4. paulo havia fracassado aos 15 anos quando todo o seu destino fora traçado numa caminhada, na avenida movimentada da cidade interior, de volta para casa. se soubesse disto, no resto de sua vida não teria feito nada de diferente. continuaria saindo de casa aos 18 anos. se enganaria de amor por todas as vezes mais. embarcaria em todos os ônibus pelos quais esperou. mas, se pudesse, teria apenas naquele dia, demorado mais a voltar para casa. ele tinha fome, mas era mesquinho e não quis gastar 10 big bigs em um fandangos vermelho. o tempo de 5 biscoitos. se fosse... mas foi, então, um retorno para casa conversando, com fome e alimentando-se de sonhos. paulo pensava nisso enquanto escolhia o que assistir. a construção de sonhos inocentes que ignoravam toda a complexidade contida em duas vidas. sua ascenção e queda por um efeito borboleta que carregava em seu bolso e usava como troco em tudo que o trouxera até aqui. até um aplicativo de streaming que falhava miseravelmente em predizer seu gosto real. até o seu fracasso. paulo pensara que havia fracassado enquanto apertava o play. havia escolhido uma série qualquer.

bandeirantes do tempo

nos perpetuamos, enfim, desbravadores. os mares perderam os monstros que nos metiam medo; as florestas e desertos cederam espaço para rodovias; por vezes as nuvens se tornam poeiras sob nossos pés. fomos tão audaciosos que até por baixo de prédios, pares de sapatos e mendigos dormindo viajamos sem sequer nos sujar de terra. não temos mais medos de grandes quilometragens. afinal, o que se tornaram os quilômetros senão linhas retas num mapa apresentado na tela de um computador de bordo? reaprendemos a calcular distâncias utilizando horas, dias no máximo. mas, se agora habitamos o reino do em breve, daqui a pouco, até amanhã, o que fazer com as palavras do tempo? onde ficam as palavras como infinito, sempre, nunca, perene? pois estas já não servem como nossas novas unidades de medidas. estas palavras, a partir de agora, ganham novos contornos e se tornam um território selvagem, inóspito e que em nós, bandeirantes preguiçosos, nos mete medo. tornou-se perigoso explorar estas terras quando municiado apenas com a leviandade do instantâneo, a pressa pelo amanhã. bichos e feras nos espreitam, guardando um bote certeiro de frustrações e traumas, ao invadirmos seus reinos despreparados. é necessário um facão afiado com coragem e coerência para poder adentrá-las. saber silenciar o tempo e ter a calma para escutar cada uma de suas letras sendo pronunciadas pelo frescor de suas matas. ouvir os silvos de seus pássaros, observar os feixes de luz vencerem por entre o balançar das folhas. contemplar nós mesmos. os que tentam vencê-las são os bandeirantes do tempo. desinteressados pela distância horizontal, buscam sim a vertical, a profundidade em nós mesmos. a profundidade infinita na queda livre por entre singelos olhares trocados. encontram as velhas novas escrituras e as decifram. não precisam mais dizê-las aos quatro cantos, mas fazem-se sábios trazendo dentro de si todos os seus significados. trazem dentro de si distâncias enormes. silenciosamente enormes.

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Não vou mentir que penso em você sempre e sobre o que poderíamos ter feito ou não, dado certo ou não, sobre o mundo inteiro que tínhamos nas mãos e parece que jogamos tudo pela janela.
Não posso nem dizer que foi só você que fez isso, talvez eu também tenha feito algo que impediu nós dois de termos dado tão certo quanto deveríamos.
O que mais me dói é a saudade que tenho do que poderíamos ter sido. Você era a pessoa perfeita para os meus planos de hoje, a pessoa que você vendeu pra mim, a que talvez você realmente nem seja, mas caramba como você vendeu bem esse sonho pra mim.
Engoli sua corda, seus sonhos se misturaram com os que já passeavam em mim e me vi finalmente depois de tanto tempo, com uma pessoa que poderia me acompanhar, sem que eu tivesse que abrir mão dos meus próprios sonhos.
Tínhamos tudo pra andar em paralelo, juntos, porém livres. Mas seu medo foi bem maior do que a vontade de dar certo com alguém. E olha que eu nem sei se foi realmente medo, tô só supondo o que o meu ego justifica pra mim, para o fato de você simplesmente não querer ser meu parceiro de viagem. Provavelmente eu nunca vou saber o que realmente aconteceu.
Eu acho que a graça de nós dois, é que eu nunca vou saber o que tu pensa, o que tu quer, quem tu vai ser amanhã, tu é a grande dúvida que eu encontrei pra mim, que ao mesmo tempo me fortalece.
O que eu sempre achei que seria motivo de preocupação, não saber o que esperar de quem se ama, na verdade me mostrou que amar é só gostar mesmo, sem me preocupar com nada. Eu percebi que não preciso saber de nada, não preciso esperar nada, que gostar é sobre você, não sobre mim. Gostar de você e te amar, é uma afirmação universal que você deve ter feito alguma coisa muito certa e legal, pra que uma pessoa (no caso eu) goste de você tanto assim.
Se eu não sei lidar com o fato de que esse sentimento não é recíproco, é um problema totalmente meu. Não seu. De seu, só esse texto cheio de vocês, tus e eus.
Eu deveria só te mandar as coisas boas boas que sinto, mas é que as vezes é muito difícil deixar a pessoa livre, liberdade dói muito em quem não a tem.
Eu realmente não sei de nada sobre o amanhã, gostaria que fosse verdade as afirmações de "Acredito que ficamos juntos no futuro" "acho que sejamos amigos" ou qualquer suposição positivista sobre a gente, quando na verdade eu num sei de caralho nenhum do amanhã e essas probabilidades só me geram ansiedade.
Só espero que você fique bem, de verdade.
Independente do novo dia que chega.
Você me ensinou mais sobre mim, sendo você mesmo, do que eu jamais aprendi sozinha.
Preciso de um tempo longe de você, meu coração não aguenta ser tua amiga agora, ser teu "quase".
Ainda tô em processo de cura. Você foi o Merthiolate de uma ferida muito profunda que se abriu alguns anos atrás, mas já tá quase fechando. Tá na fase da coceira, tá colando, vai ficar bom...
Eu consigo ver a carne fechando e fazendo pele de novo.

Mas ainda tá sensível.

Priprioca e sândalo

Razão,
Você disse de primeira que detestou que eu te chamasse de razão, achou um apelido bobo, porque eu te expliquei na hora que era ~razão da minha vida~ e que também era porque você só queria ser ~dono da razão~ e como eu gosto de te ver aperriado.
Na verdade eu nunca te contei que eu te chamo de razão na verdade, porque eu acho que você é a razão pra mim, de muitos momentos importantes. Tu nem imagina, quantas terapias solitárias eu fiz na minha cabeça, deitada no teu ombro, enquanto a gente dorme de costela e eu reclamo sozinha que eu não tenho mais idade de dormir em cama de solteiro. Mas no final é ali que eu adormeço bem e acordo feliz.
Porém toda essa felicidade não consegue amenizar que tu é incômodo. Pra caralho!
Incômodo de dentro pra fora, tua chatice me incomoda nas entranhas, incomoda porque eu te escuto, incomoda porque por mais bizarro que você pareça ser e mais errado ainda como você se expressa, com esse jeitinho anti social que só tu tem, eu te entendo.
E eu fico sem saber como reagir, porque eu te entendo tanto que isso as vezes me constrange, já que tu é tão diferente. Você quebrou minhas pernas, roubou meu sono e me deixou sem chão.
E o pior é que eu menti quando disse a você que não sabia porque eu gostava de tu. Eu sei. Eu sempre soube.
Você com todo seu caos, me traz paz, me traz vontade de me acalmar, até cogitar falar mais devagar e mais baixo.
Acho que deve ter alguma parada ai de auto (re)conhecimento em querer ser entendida.
Sempre quis ser entendida, mas ninguém me disse o porquê que não estava dando certo, talvez seja essa questão de falar mais devagar e mais baixo novamente.
No alarde, ninguém escuta ninguém. Na gritaria, ninguém entende o outro. Você me ensinou isso, lembra?
Quando tu tá presente, me faço calma, me dá vontade de não falar, sinto que contigo, eu sou entendida sem precisar falar muita coisa. Na verdade sem precisar falar nada.
Eu gosto do fato de você apreciar meu silêncio e não de não me incomodar pra que eu fale.
Não me sinto pressionada por você.
Nesse ano eu percebi que tem muita gente responsável pelas minhas cicatrizações, você cicatrizou a minha paz interior.
Tá certo que de uma forma bem não ortodoxa, mas cicatrizou. Você me fez ter vontade de dividir a vida com alguém novamente. Quando falei isso pra ti, pensasse logo que era com você que eu queria isso. Talvez até fosse você, num futuro bem distante, mas não agora, foi o que eu tentei explicar, que com você eu percebi que dá sim pra voltar a se relacionar sem me sentir invadida, sem me sentir desrespeitada como tantas vezes achei que fui.
Sou apaixonada por você, do jeito mais infantil e bobo possível, daquele jeito que gosta de ficar perto e me pego olhando pra tu com cara de otária, mas no fundo, sei que o que eu tô sentindo tem muito mais fundo e importância por dentro, do que além de fato de que eu só gosto muito do cheiro da tua barba.
Eu só não te digo essas coisas sempre, porque nunca acho que tu escuta depois de 1 minuto de fala ou de 4 linhas escritas. E tá de boa, eu gosto de você sendo assim mesmo.
A gente vai ficar bem.
Embora eu ainda me arrepie de saudade, vai chegar uma hora que vai ficar tudo bem.

portão 07

esses caracteres em um papel não sabem nada de quem os carrega. determinam horários a serem seguidos, portões a serem encontrados, poltronas a serem ocupadas. números, letras, horas. caracteres frios que definem pontos iniciais e finais sem saberem do que há de mais importante. há sempre o caminho. as passagens aéreas são insensíveis por não saberem nunca dos encontros e partidas que carregam em si mesmas. são meros pedaços de papéis que fornecem a entrada para os sonhos ou a saída dos mesmos. essa poltrona 23a nunca saberá o que carrego no peito. este vôo de quatro números que não consigo decorar mal sabe de outra importância sua que não a linha reta entre recife e rio sem escalas. seguimos para a fila de embarque com uma calmaria incoerente para este horário da madrugada. em minha frente há tantos futuros a serem construídos e atrás de mim, tantos passados a serem esquecidos. me situo num ponto cego que abandona um presente ideal num táxi qualquer e segue esperançoso pelo carinho de um pacote de amendoins. não indiferente, apenas positivista. minha identidade encardida e uma mochila carregada de bolos de rolo são o que o mundo acha que carrego comigo. há, no entanto, a bagagem invisível repleta de sentimentos que fugiram ao check-in com a moça simpática. embarco como um terrorista. granadas de saudades implosivas, pólvora espalhada pelos lábios. minha carteira não me denuncia em nada e, agora, a apatia e indiferença do meu bilhete compensam por não levantarem suspeitas. dou um boa noite sem graça. vejo da janela pequena as luzes da pista, do aeroporto, do bairro, da praia. as luzes que só eu vi. penso em dormir, mas prefiro ver a cidade se afastar.