eu te amo

as sirenes falharam
  o barro desliza
    e a ira leva
tudo

relampejam
as últimas fotos
  você sem olhar pra câmera
e num instante
    bum
  já é ontem

uma outra realidade
    agora escorregadia
  suja e líquida
nos retoma
ou remonta
  não sei dizer
    pois ninguém mais canta

enquanto a lama seca,
a garganta endurece
e o ar se faz em peste

de pó
para o pó
    
ao longo do caminho
muitas serão as frases
confundidas
esquecidas em preces

rumores

qualquer coisa ruidosa
calha em tornar-se
casa
e cozinha
onde comem-se
caldos, cantos, caminhos

impronunciáveis

inventamos tanto
para nos vermos aqui

  facas
  abridores de lata
  isqueiros
  e termos de uso

o domínio de tudo
    todos os sons
    e das palavras
      não pronunciadas

só para nos vermos aqui
a sós
nos mirando em espelhos
de sangue e lítio

feito narcisos
afogando a nós mesmos
tudo aquilo inventado
e tantos outros nomes
para sempre
  velados

um retrato

entre quem fui
e quem serei
sigo refém do tempo
dos caprichos do tédio

abatendo futuros
com estilingue em punho
bacharel em projéteis
num calar-se profundo

rasgo no peito

um silencioso farol
gira e gira em si
a enganar
    as pedras pelo caminho

pequenas silhuetas de certezas
    em rotas de colisão
deste cruzeiro-apartamento
navegando contra a realidade
agressora do casco

da piscina, entre drinks e tédio
suspiramos o dia
  velho e ido
enquanto o gelo derretia
  assim como o amanhã

somente os cães ouvem
  o incessante e ignorado apito
  prenunciando naufrágios,
as desgraças
  para fora deste abraço casto
  tomado por nós
como bóias salva-vidas

(escrito durante a pandemia, em Julho de 2021 em Niterói)