letargia

o mundo
de páginas em branco
e tinteiros em seca
esgotados pelos absurdos
escoando, surdos,
meus medos

não registrarão mais
os pousos dos últimos pássaros turdos
a vontade de triângulos curvo-turcos
os mistérios dos oceanos turvos
qualquer resultado de turno ou returno

pois surgirão só
em sonhos
sistematicamente sonegados

pelo mundo
de páginas em branco
e tinteiros em seca
esgotados pelos absurdos
escoando, surdos,
meus medos

negacionismos

quando o mundo acabar
será um carnaval
real

num último brinde
a letal risada de disparate
antes que tudo finde

migrante

num bosque
de egos silenciosos
por entre os arbustos
me escapo

no anseio por sons
e agraciado de asas,
caço os pássaros
da serenidade
que batem em revoada

migram para um sul impossível
para um fim
somente plausível
em bando
e sem mim

nós mais perto do centro do aquecimento global

por não sabermos,
me cale
juntinho
uma palavra válida
entre as falas do lugar
e os privilégios de estar
à deriva

ou ainda o não dito
das sortes de beleza
de olhar canais
ou devorar manguezais
à espera do dia acabar
e do nível do mar
voltar

um dia veremos,
além dos coqueiros,
tudo o que não sabemos nomear
avoar pras águas
e se sonhar peixe

paredes, chãos e caminhos.

e junto, meus segredos
em seu sotaque
de outra terra
num último ataque
que tua boca não erra

ampulheta

minha velhice
de faca em punhos
conta seus baques
em lutas contra pães de queijo pif paf
e superfícies ditas antiaderentes

mudam-se os anos e as receitas
         as sacolas e as travessas
         o antes e o depois

mas há sempre o mesmo embate
entre o ego da lâmina
e a preguiça derretida
horas em mim grudada
antes, congelada
e agora servida