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De inconstâncias

Não me deixo reler nenhuma palavra que um dia te escrevi. Queimei meu diário de viagem, apaguei nossas conversas, escondo seus traços pela casa. Montei uma caixa com tudo que era seu. Tão pequena a caixa, mas a sombra ocupa todo quarto. Limpei a sala, lavei minhas roupas, tirei a poeira e olha só, busquei até confetes pela casa.
Não aguento essa inconstância. Não aguento essa inconstância.
Saio, bebo, distribuo sorrisos e recebo o ódio gratuito de quem eu nem sei o nome. Não me importo, não me importo. Inalo fumaça, viro um, quatro, nove copos. Não dói, eu me digo. Não dói mais. Nunca doeu. Viu só? Nem me lembro o que é dor.
Músicas vindo dos quartos, música da tevê, música pela janela. Procuro uma que não escutamos juntos, uma que não cantamos, uma com quem não tentamos nos surpreender porque 'nossa-olha-que-legal-nós-temos-o-mesmo-gosto-escuta-essa-e-agora-essa-essa-me-lembra-a-gente'.
Repito The National 4, 7, 12, 63 vezes. Uma por mim, outra por você e as outras por todas as vezes que já desisti na minha vida.
Não aguento essa inconstância.
Você me ofende e se desculpa. Conversamos e você pede perdão. A porta se fecha e lá vem, mais duas ou três ofensas contidas. O medo de me machucar, o medo de explodir, a incerteza de dizer o que sabe ser certeza porque afirmar é desistir e você não desiste, meu bem. Esse papel é meu.
Elogia minha loucura, diz que minha loucura é linda, que eu sou linda. Se aninha em mim, nos envolvemos numa pose John&Yoko na cama e ficamos até algo ou alguém nos arrancar, a dor de um parto. Fala do meu cheiro, fala de saudade e dois minutos depois, me machuca e me chama de linda. Não nessa ordem, não sem meu dedinho de culpa. Minha loucura te afoga. Te faço mal, te sufoco, me sufoca. Não consigo, não consigo. Eu sinto, mas eu não consigo.

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