Textos de Bernardo

grullas

ignorando o chão
  mirávamos
sempre para cima
  a apostar
até também nos tornarmos
resíduos de querosene

pálidas cicatrizes brancas
  um corte no azul
    dois cortes
  um novo tipo de céu
      afetado
por futuros
      até então
            ignorados

        pisco

quebro um dedo
perco um dente
rasgo um talo
e a vida passa

teimosa e graciosa
como um par ou
um casal de garças
    plainando
por todo o resto
do que sobrou ou
daquilo que creem ver

sublimação

um lago
um canal
ou um rio
todos podem
congelar

mas o coração
a despeito
do frio
queima, arde
evapora o mar

golpes sobre bigornas

a névoa espessa sobra
da frágua que fui
a forjar novas armas
anêmicas

potências de amor
ou então só morte
em mãos de crianças
maníacas

quão cortantes são as últimas frases?
como afiar as novas primeiras?
eis o fardo de um ferreiro

além do calor:
abster-se da culpa,
das incongruências
e consequências
benzidas no vapor

com fianças

buscar as suas crenças
uma a uma
com o sol de testemunha

levá-las para passear,
um banho,
sair pra pegar um ar

jóias rasas,
moças requintadas
de mãozinhas dadas
todas maquiadinhas
de certezas raras

eu te amo

as sirenes falharam
  o barro desliza
    e a ira leva
tudo

relampejam
as últimas fotos
  você sem olhar pra câmera
e num instante
    bum
  já é ontem

uma outra realidade
    agora escorregadia
  suja e líquida
nos retoma
ou remonta
  não sei dizer
    pois ninguém mais canta

enquanto a lama seca,
a garganta endurece
e o ar se faz em peste

de pó
para o pó
    
ao longo do caminho
muitas serão as frases
confundidas
esquecidas em preces