todas as mulheres da minha vida
foram assassinadas
por mandatos imperiais
das sobras dos seus corpos
renasceram outras mulheres
de véus livres
e faces desconhecidas
com sede, não de vingança,
mas de revolução
marcharam pela seca zona morta
onde aprenderam a distinguir
timbres de sons femininos
e, no fim da campanha,
com nada além das palavras
me tornaram um algo deposto
as ordens deram lugar às perguntas
as sentenças se tornaram aflições
os direitos irrefutáveis de ontem
agora os deveres inadiáveis de hoje
e eu
com meu trono invisível nas costas
me descobri exilado ou fugido
em uma terra de culpa, vergonha e silêncio
sem misericórdia
imergir
por um buraco de pele
numa caverna tua
transpassar
guiar-me
por uma cachalote à profundidade
dos teus raros seres
abissais
escurecer
tatear a pressão do fundo
pra encontrar tuas fendas
oceânicas
borbulhar
um comprimido de ar
do teu último mililitro
de magma
me transformar em matéria
me transfigurar em meta
me tornar
enfim
nós
três beijos na bilheteria do metrô
barrados pelo vidro gélido
necessariamente blindado
dois "como vai?" no cabo do telefone
enforcados pela voz serviçal
de alguma não-Juliana
o aperto de mão com um voluntário da ong
carregado numa tromba de ternos
corrente da avenida desconhecida
aquela mensagem sempre sem resposta
zerar
reaprender a contar
refugiado
nos cantos das maritacas
minha baleia pirata
um reflexo caolho
pilhando o oceano
deglutindo tesouros
tudo só pra mim
lagostas
cardumes
ar salinizado
destroços mil
no convés por entre costelas
estas agulhas de crochê
costuram algumas últimas vaidades
quentinhas
no convés por trás do reflexo
me escondo das sombras
de tubarões
e de ônibus articulados
noite aberta
o anzol espeta
a última chance
suspensa no ar
olhar que flerta
sorriso afeta
o último lance
dois a rodar
fuga esperta
lá feito seta
luz e nuance
cama, um mar
por tanta oferta
bateu sua meta
mais um romance
pra se imaginar
ela, roberta,
foi tão seleta
cedeu ao avance
de um tolo osmar
futuro alerta
ferida aperta
por fim descanse
o seu calcanhar