Textos de Bernardo

Nossos Traços

As fotos mofam
os filmes se perdem
os cheiros azedam
os móveis mudam
todos embalados
por essa valsa do tempo.

  Coisa de gente grande
  sabem que o epílogo
  espera logo ali
  no virar daquela curva.

O sorriso cafajeste
a posição deitada vendo tv
o agarrar do copo
até a cegueira do olho esquerdo
ouvem outras músicas e
jogam ciranda com o tempo.

  Crianças despreocupadas
  só se interessam
  pela hora do recreio e
  o lanche dentro da merendeira do Batman.

São esses pequenos olhos
  brilhantes
e barriguinhas
  sujas de picolé
a ponte que liga
o que há de ser eterno
entre nós
  dois.

Poema do Seu Despertar (ou Poema das Seis da Manhã)

Acorda, minha flor!
Desperta junto o mundo com seu perfume,
desacorda meu ser em sua essência.
Depois, nos amemos aos montes,
sem nem notar que o tempo parou,
porque o sol já desistiu de raiar
somente para admirar
o matinal desabrochar do nosso amor.

Saudade

Sopra este vento sul
e traz a garoa umedecendo
  meu peito aberto
  por conta da camisa
    do primeiro botão perdido
    que você tanto gostava.

Me deixo molhar
               e ventar pro norte

Daltônico

Uma confissão
  há um arco-íris
    multicromático
  a cada palmo desse cinza estático
por São Paulo.

Luzes e cores
  não encontradas
    daltonicamente
  por essa doença criada nas areias
de Copacabana.

taxa de embarque

o raio-x não detecta
na bagagem de mão
  toda essa melancolia
tão perigosa quanto qualquer explosivo

o detector de metais não capta
no fundo bolso direito
  esse abandono afiado
e todas suas funções de canivete suíço

se encontrassem tudo
eu simplesmente os colocaria
  de muito bom grado
  dentro daquele lixo
junto com tantos outros objetos
  pontiagudos ou
inflamáveis