amigo,
tamos há muito tempo separados
cada um de nós tem um destino
o tempo, quanto mais passa,
mais tornamos definidas
nossas medidas
nossas verdades
nossas maldades
nossas casas
sinto falta de sentir que sou restrito
que sou descrito nos lugares onde estou
mas somos tanto
voltemos para quando havia sentido
pra quando ainda éramos formato
quando toda palavra era canto
em minhas tentativas de auto-terapia,
(falar comigo mesmo substitui um profissional, certo?)
cheguei à seguinte conclusão:
eu tenho uma relação tóxica com a inspiração.
parece que pra escrever,
pra sentir,
eu preciso me queimar
como quem vem do espaço
em fragmentos
que pra me sentir bem, tenho que me sentir mal
um mal poético, idealizado, disassociativo
acho que fiquei sentindo o vazio por tempo demais
de vez em quando, me deixo absorver pela escuridão
ela não é fria, ou morna,
ou assustadora
toco meu rosto, meu peito, com a ponta dos dedos,
livre de qualquer julgamento ou consciência
não sou mais um animal,
nem sofro ou sorrio ao ver as memórias
que desfilam, sem ordem e contexto,
sem pretensa de verdade
não sou liberto nem presidiário
não sou problema ou solução
até o momento em que involuntariamente
parte de mim tateia a luz remanescente
a humanidade e o clarão
a nova, a refeita, realidade
me sinto pesado à luz da manhã,
um lembrete da vida lá fora
um alarme reverso
abro a porta do microondas,
os apitos, o apertar dos olhos,
o cheiro do café solúvel
de costas pro sol, de frente pra varanda,
o que me impede da névoa
é a tela em rede, com seus nós
à beira do mirante, sou
rarefeito
alpinista
delirante
me convido à sua vida como o soco ao estômago depois de uma noite de cachaças.
qualquer contato contigo é nauseante e doce
e me queima
do peito até a boca que
não sabe se
se cala
ou se vicia.
pela manhã, o café me acorda
e evidencia os lapsos, os vazios da noite.
meu corpo, quase em reflexo, recorda sua acidez,
sua desnecessariedade
como um trauma irracional
cada parte de mim
repassa seu toque,
enquanto a mente
disfarça.
distante,
a lua
minguante.