vou dormir
na hora em que os postes quentes
pensam
que já está na hora de dormir.
mesmo que os galos digam bom dia
que os canários digam bom dia
e até os corvos
mensageiros do sono eterno
digam bom dia
vou dormir.
mas a hora de dormir
a hora em que o interior mais ferve e queima
é a hora em que penso no seu pássaro bom-dia
a hora
em que tudo é luz
menos nos postes
e no lado de dentro das pálpebras.
o ruído do relógio
escondido nos rasantes de
avião
repete
o quanto o tempo
voou embora
com você
o primeiro respiro
depois de um trago
é sempre o mais lindo
parece que a fumaça
a poluição
tem o efeito oposto
livre do vício
da vida
a música da harmônica
pode tocar novamente em meus ouvidos
como um preparo à passagem
do coração
que dá um tempo
e começa de novo
- tem fogo?
hoje, minha mente se comportou como se comportava antigamente. é difícil pensar que já faz quase dez anos que escrevo e que grande parte das vezes que escrevi foi desse jeito, cansado e insone, no frio da madrugada.
minha atenção e compreensão me pregam peças e, quando vejo, estou fantasiando sobre uma festa aleatória que não fui há uns anos atrás ou lembrando de antigos poemas meus, os poucos que não se apagaram da memória.
e é assim que eu quero que eu volte a ser: aquele jovem magrelo, com olheiras das noites sonhadas no papel. quero ser esse sangue derramado em tinta preta, em mais um caderno que não terminarei.
como aquele, fatídico, que perdi na arquitetura, com meus melhores textos e rabiscos, que nunca poderei consultar. que me diria
"dorme, menino levado. dorme, que a vida já vem."
nem tudo que escrevo aqui é verdade
meus ouvidos ouvem palavras minhas
mentirosas
meus olhos revelam a verdade
de meus olhos
então respeito
e deixo a caneta escrever
o que lhe vier
à ponta
da língua