a gente fazia essa brincadeira
deixe
por telefone
depois da voz grossa de meu pai
uma música
um verso
um outro
não sei
quanto gastei aquelas fitas
e lps
quantas vezes ouvi
sua voz no interfone
quantos
adeus
nada mais me faz lembrar
como era a vida
ao tom
da sua voz
me evita como
quem evita um carinho
como quem se conforma
se deprime
- o mundo é esse e
não tem mais volta
você não -
me quer
e eu te amo
minha voz mais forte
soa dentro de mim
por mais que eu grite
ocupo tão pouco espaço
queimo menos que
a chama que esquenta
meu almoço
o que sou pros outros
só importa
a mim
não me importa
nada
por ser muitos não
sou ninguém
quem é esse
que vive minha vida em piloto automático?
que não tem consciência ou memória
há tantos anos
me sinto
de repente
tão cheio de culpa
de tristeza
se é esse quem eu sou
quem é esse
que assina meus papéis
se finge de feliz
que engana a todos
fecha meus olhos
e me tortura
ao deixar que eu viva
três horas
da madrugada
outro dia, meus amigos disseram que
eu sempre serei fernando pessoa
a princípio
levei como um elogio
aos meus poemas
sabendo que estou longe de chegar lá
depois
como um insulto
ao meu recolhimento
minha introspecção
minha troca de faces
por fim
como um acerto
quem é esse que vive minha vida
e tranca a minha porta?