entre quatro paredes
queria dormir
na sua cama
esta noite
não quero
nada não
nem esquemas
nem holofotes
nem segredos
só quero o quase-ver do seu sorriso
sabendo que ele existe nesse vulto
e está guardado em mim e em seus lençóis.
queria dormir
na sua cama
esta noite
não quero
nada não
nem esquemas
nem holofotes
nem segredos
só quero o quase-ver do seu sorriso
sabendo que ele existe nesse vulto
e está guardado em mim e em seus lençóis.
agora está tudo certo. os contratos assinados, os móveis encomendados, os suores esquecidos. é hora de reduzir o ruído de fora pra dar vez ao que vem de dentro.
nove anos e quatro amores me bastaram para entender a capital. meus primeiros sinais de intolerância, traço característico do meu sangue, se revelam nas músicas que retiro das caixas de papelão.
é pra frente, diz a consciência, com uma bandeja de saudosismos. pra frente, grita, olhando pra trás. meu medo de viver o presente só para o tornar lembrança se confirma cada vez mais - cada vez que visto esse casaco de duas listras.
aos quinze, sem muito dinheiro e noção de moda, eu achava o máximo esse casaco de duas listras. sempre via uma ou três, nunca duas. foram só quarenta reais, eu dizia, sem ideia de quanto custava os adidas dos amigos. cem reais por uma listra a mais, listra que demonstrava algo que eu não sabia o que era: status. listra que, hoje, já não me tem mais valor.
e como a segunda listra que demarca a resistência ao óbvio, essa segunda passagem pelo local da minha juventude me faz renunciar aos velhos hábitos. não há ninguém aqui. ninguém que eu possa dizer que conheço. seus rostos são tão familiares e vazios de conteúdo quanto o que vejo no espelho.
mas o que me fez voltar foi apenas um motivo: essa cidade me permite. esse frio me permite. tudo. e assim como o frio, a cidade e os rostos que reconheço, continuo como sempre estive, eternamente um vulto no canto dos seus olhos.
no metrô zona sul
de ouvidos fechados
ouvi uma pessoa declamando poesia
ele era
homem
branco
limpo
declamou
uma atrás da outra
drummond
leminski
até uma
dele mesmo
que poesia há
em suas palavras
másculas
brancas
limpas?
a poesia de ouvidos
tão fechados quanto os meus.
criar não é uma arte,
é uma consequência.
queria poder ser criativo
como as tantas estrelas que admiro durante a noite
mas dedico minha vida a lutar contra a gravidade
a carência
da minha situação
que me diz que
em vez de pó de estrelas
sou uma singularidade
sem som, nem luz
que me dê cor ou sentido, não
sou um ponto nesse inefável céu
abraçado ao vazio e a sua imensidão
tenho dificuldades de sentir meus pés na terra
ela é árida demais
de sentimento
ela é úmida demais
de tesão e castidade
no mundo em que estou, nesse, dos outros,
nada me apetece
nem vênus
nem marte
mesmo assim eu
sinto fome
de carne fresca
de suores noturnos
meu corpo não consegue conceber
a eternidade do espaço
e não se conforma com sua prisão
entre duas tão diferentes órbitas