Trôpega Lapa,
sinto-me imerso dentro
desses corpos tortos
encontrando-me em mim mesmo.
Sonora Lapa,
você que já não rima mais
em nenhum samba canção
quando a luz do poste apaga.
Catedrática Lapa,
aprende-se física nas tuas ruas
na ação-reação do cassetete
para dois corpos ocupando o mesmo lugar.
Real Lapa,
toda sua poesia jogada, perdida.
Uma delas passa correndo
levando embora um celular e um encontro.
Viva Lapa,
essa que sempre furta
uma lapa de mim pela noite e a deixa
sob seus arcos feito oferenda.
Querida Lapa,
como é bom o reencontro,
como é bom estar em casa e
deitar na tua cama.
Todo dia
às zero horas
reaprendo a lição:
é fácil ser solar e
digerir o dia exposto
por aquela luz fertilizante,
astro rei de súditos mecânicos.
Agora, para a noite,
bem, para a noite é preciso ter
estômago e coragem,
é preciso saber enxergar na penumbra
os detalhes nus
onde para os olhos desavisados
só existe
o todo negro e escuro.
Para noite é preciso saber ler
nas entrelinhas.
Não vamos mais cantar
essas meninas utópicas e seus olhos azuis;
Não vamos mais cantar
as esquinas chiques de Ipanema;
Não vamos mais cantar
as solidões das sessões da tarde no Arteplex;
Não vamos mais cantar
a espera morna para a segunda-feira;
Não vamos mais cantar
bares abertos com público antes das sete;
Não vamos mais cantar
as mulheres rolantes de academias;
Não vamos mais cantar
ternos, gravatas e bravatas de advogados;
Não vamos mais cantar
o tempo que só faz ser contratempo;
Vamos cantar sim!
Só cantar
sem nem saber a próxima nota,
um ré sustenido,
a busca de um lá.
Vamos cantar como os mendigos
que fomos, somos e seremos
até a quarta-feira de cinzas.
Certas verdades
só se descobre caminhando
numa calçada da Lapa
no meio de travestis
às cinco e trinta da manhã
de uma terça-feira de carnaval
com um cigarro entre os dedos.
Num caminho
só e
teu
com um cigarro entre os dedos.
Certas verdades
só aprendemos
quando nos vemos
com um marlboro vermelho entre os dedos
com nada no coração.
Por entre os dedos finos
sobe essa fumaça densa
do cigarro que anuncia o porvir.
Essa onda cinza e oscilante
que ruma ao limite do céu
para tornar turva e confusa
qualquer troca de olhares.
Contidas, semi declarações
desenhadas e compreendidas
pelo fugaz desejo
de gerar mais fumaça
que assina o que vem depois.