Textos de Bernardo

Arrecifes

Vou nadar até ali,
encostar no quebra-mar
pra ver o pôr do sol,
guardando uma braçada
pra cada dia que nos trouxe
até esta praia
cheia de cascalhos
no lugar de areia fofa.

Vou sem pensar na volta,
contando com a câimbra
na batata da perna direita
para me afogar de vez.
Fazer-me virar manchete
  para os jornalistas.
Fazer-me virar lenda
  para os amantes.

Interestadual

Um homem só.
Um avião só.
Um corpo só.
Um maquinário só.
Uma queda só.
Uma viagem só.
Um desencontro só.
Um encontro só.

Nós
  a sós
pelo mesmo ar

Segunda-feira

não é dia azul
nem um dia branco
muito menos cinza

hoje não é sábado
não é domingo
ou qualquer dia que termine em feira

hoje não é dia de branco
não é dia de preto
hoje não é dia do índio

hoje não é dia útil
muito menos inútil
perdido nesse trabalho de escrita

hoje não começa a primavera
hoje não sabe de inverno nem outono
só do ontem quente do verão

hoje não tem café da manhã
não tem jantar no japonês
hoje não tem nada que sinta fome

hoje não tem futebol
nem corrida na praia de Icaraí
hoje a saúde foi esquecida

o hoje não passa
o hoje espera que acabe
o hoje não sabe que existe hoje

hoje é o dia
o primeiro dia
hoje é o primeiro dia sem você

Boa Noite

Em todo o meu canto
só sei letrar teu nome
e onde antes era só pranto,
hoje vive nosso pronome.

Nos amamos,
nos cantamos
nesse poeminha de dormir
até o amanhã vir eclodir.

Roupa Nova

a ausência mora nos detalhes
  ligar o ar condicionado
  fechar as cortinas
  apagar as luzes
nessa rotina de toda noite
a ausência já fez moradia
  própria

o tudo que persistiu
  esse espólio de guerra
  dentro de casa
é assinado pela tua falta
  menos essa camisa nova
  que precisei comprar
  quando estraguei a que me deste
    lavando-a com água sanitária
    no tanque da cozinha