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giroflex


de onde eu vim, sirenes sempre precederam desgraças. eram cortes abruptos na rotina bucólica dos pássaros cantando.

enquanto tomo um café em meio aos zumbidos dos automóveis em uma lanchonete qualquer, novamente escuto as sirenes. carros sobem em desespero a avenida engarrafada por mais uma vez. em mim, cresce uma aflição não familiar a medida que o som aumenta somente por querer saber o que motivou aquele alarde sobre rodas. enquanto isso, o rapaz do outro lado do balcão continua comendo o seu pf ouvindo o garçom o entreter com gozações de futebol. os dois sorriem. minha mão começa a suar; minha cabeça se perde imaginando consequências nefastas para aquele chamado. um motoboy tomba em mais uma marginal ficando gravemente ferido. uma senhora sofre um infarto após uma tentativa de assalto bem-sucedida nos jardins. mais uma favela, curiosamente perto do brooklyn, pega fogo. explodiram um caixa eletrônico num banco da zona norte. tudo isso me vem a mente, enquanto o rapaz ao lado degusta um belo gole de coca-cola. respiro pausadamente e tomo um sofrido gole do café já frio. percebo, então, a natureza da indiferença que o fez sequer notar a passagem de todo o barulho há pouco. ele se sente em paz. de certa forma, o invejo e compreendo um pouco melhor esta cidade e suas sirenes. aqui, elas não precedem desgraças. as daqui nos condicionam auditivamente a reproduzir a sensação da segurança contida no concreto. a segurança branca, classe-média ordeira e masculina do concreto. aqui as sirenes são lembretes que nos mostram que a cidade-fábrica continua a operar corretamente para quem aceita com ignorância a sua própria condição. a ignorância de achar que um rosto desconhecido, automaticamente, deixa de representar um rosto; de que um bairro que nunca visitado não representa o conceito lar; de se pensar indivualmente um indíviduio.

as sirenes daqui são como os mosquitos que não nos deixam dormir: lutamos contra ou então cubrimos a cabeça com a ilusão do lençol.

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