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no leito

janelas de hospital são soberanas. sempre abertas para nos trazer os novos sopros da vida que é o lado de fora. limpar o ar carregado das ansiedades concentradas nas bolsas de soro, das preocupações aderentes dos esparadrapos, dos medos circulando nas veias ainda não encontradas. entram por entre os vãos milimétricos da grade de proteção, os sonhos mais banais que só temos quando nos deitamos em camas reguladas por controles remotos. um prato, um livro, uma calçada... de dentro da televisão, a voz funciona como um marca passo para nos percebermos ainda como parte de um mundo, mesmo como passivos telespectadores. pacientes. mas o que interessa aos olhos é a tela da janela. rompê-la, saltá-la, reencontrar-se com a realidade. um corpo rebelde ao entender que é necessário fugir do mito da caverna da morte. é necessário seguir. nessa tarde bucólica, nesse inverno que é quase um veranico, é fácil para um bem-te-vi se tornar um protagonista. ele chega manso, planando levemente e pousa no peitoril singing an old, old beatles song. silencia o mundo mono tonal ao redor de um monitor cardíaco. aquele pássaro rompe a monotonia da paisagem estática da janela. nos desafia. é a metamorfose de nossos sonhos múltiplos em um ser vivo, animal. aquele pássaro nos instiga. nos faz perceber que é preciso levantar vôo para também cantar. nos transformar em pássaro para voar no mundo que nos restar. cantar por outras janelas. it's a long way.

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