Textos de Luciano

desencontro

minha poesia
  muda
acorda cedo

faz uns ovos mexidos
duas torradas
um chá

admira o dia
  ainda existindo

  respira fundo
  e faz uma sóbria pausa

até eu acordar

lugares

amigo,
tamos há muito tempo separados
  cada um de nós tem um destino

o tempo, quanto mais passa,
mais tornamos definidas
  nossas medidas
  nossas verdades
  nossas maldades
    nossas casas

sinto falta de sentir que sou restrito
que sou descrito nos lugares onde estou

mas somos tanto

voltemos para quando havia sentido
pra quando ainda éramos formato

quando toda palavra era canto

em reentrada

em minhas tentativas de auto-terapia,
    (falar comigo mesmo substitui um profissional, certo?)
cheguei à seguinte conclusão:

eu tenho uma relação tóxica com a inspiração.

parece que pra escrever,
           pra sentir,
eu preciso me queimar
como quem vem do espaço
em fragmentos

que pra me sentir bem, tenho que me sentir mal
um mal poético, idealizado, disassociativo

acho que fiquei sentindo o vazio por tempo demais

meditação

de vez em quando, me deixo absorver pela escuridão

ela não é fria, ou morna,
                ou assustadora

toco meu rosto, meu peito, com a ponta dos dedos,
     livre de qualquer julgamento ou consciência

não sou mais um animal,
     nem sofro ou sorrio ao ver as memórias
que desfilam, sem ordem e contexto,
sem pretensa de verdade

não sou liberto nem presidiário
não sou problema ou solução

até o momento em que involuntariamente
     parte de mim tateia a luz remanescente

a humanidade e o clarão
a nova, a refeita, realidade

abaixo do horizonte, acima do mar

me sinto pesado à luz da manhã,
um lembrete da vida lá fora
um alarme reverso

abro a porta do microondas,
os apitos, o apertar dos olhos,
o cheiro do café solúvel

de costas pro sol, de frente pra varanda,
o que me impede da névoa
é a tela em rede, com seus nós

à beira do mirante, sou
    rarefeito
    alpinista
    delirante