estou nessa estrada de barro batido
sustentado por um par de chinelos já marrom
olhando para o resto do caminho
cogitando o que vem depois da curva
escondida pela praga surgida no pasto
com meu passo calmo a levantar poeira vermelha
com a delicadeza do respeito ao chão
ao lado
buzinas e motores
voam a se perder de vista
numa via expressa
seguem rumo a lugar nenhum
a atormentar
o canto do pássaro que eu ouvia
Vou nadar até ali,
encostar no quebra-mar
pra ver o pôr do sol,
guardando uma braçada
pra cada dia que nos trouxe
até esta praia
cheia de cascalhos
no lugar de areia fofa.
Vou sem pensar na volta,
contando com a câimbra
na batata da perna direita
para me afogar de vez.
Fazer-me virar manchete
para os jornalistas.
Fazer-me virar lenda
para os amantes.
Um homem só.
Um avião só.
Um corpo só.
Um maquinário só.
Uma queda só.
Uma viagem só.
Um desencontro só.
Um encontro só.
Nós
a sós
pelo mesmo ar
não é dia azul
nem um dia branco
muito menos cinza
hoje não é sábado
não é domingo
ou qualquer dia que termine em feira
hoje não é dia de branco
não é dia de preto
hoje não é dia do índio
hoje não é dia útil
muito menos inútil
perdido nesse trabalho de escrita
hoje não começa a primavera
hoje não sabe de inverno nem outono
só do ontem quente do verão
hoje não tem café da manhã
não tem jantar no japonês
hoje não tem nada que sinta fome
hoje não tem futebol
nem corrida na praia de Icaraí
hoje a saúde foi esquecida
o hoje não passa
o hoje espera que acabe
o hoje não sabe que existe hoje
hoje é o dia
o primeiro dia
hoje é o primeiro dia sem você
Em todo o meu canto
só sei letrar teu nome
e onde antes era só pranto,
hoje vive nosso pronome.
Nos amamos,
nos cantamos
nesse poeminha de dormir
até o amanhã vir eclodir.