as curvas nos colocavam nos caminhos como mãos em concha. ao redor um verde de mesma cor mas com significados diferentes para cada um. no fundo, ambos com algum saudosismo. saudade um, do tempo de adolescência gasto no trabalho por aquelas terras com a fazenda da família. o outro, dos retiros na infância sob a saia da avó enquanto se empanturrava com as delícias e corria de pés descalços pela praça com o resto da molecada. hoje, enquanto retomam essas estradas antigas por mais uma vez, os dois tem motivos de sobra para olhar para o verde e se lembrarem do passado. seguem no carro ao som de conversas amenas e música baixa. cada um contando para o outro algumas de suas próprias memórias. a última causada pelo telhado que cedeu na casa grande da antiga propriedade da família. o telhado colonial, suas ripas e caibros cederam em seu pico, reduzindo o desgastado alaranjado das telhas por um negro buraco vazado. pensamos nas chuvas, pensamos no sol, pensamos no desgaste e no pouco tempo de vida daquela casa. mas, se por um lado a sua proteção tinha cedido, havia ainda assim um ar de vida naquela casa. as janelas estavam abertas. janelas verdes levemente desgastadas que, com suas abas elegantes, se sobreponham a um branco hachurado. levando e trazendo o ar de uma época de cabeças, estas também, com seus respectivos telhados quebrados. o retrato daquilo que nós dois não fomos nos levava a lamentar não o futuro não trilhado, mas sim a existência daquilo que ao menos o possibilitou: nossos parentes. a herança se pôs silenciosamente em nossos colos enquanto seguíamos rumo a mais um almoço de natal. iríamos dividi-la, saboreá-la e então voltar para nossas casas protegidas.
se atropelou
ao notar a vida
- carro do ano
crianças chiando
pais sem saco
férias de verão -
na contramão de um caminho
idealizado
enfim, conseguir dormir
dentro de si
a ouvir ecos
de sua própria raiva
que diferia do que pensava
numa perseguição
de um ponto rubro alaranjado
qualquer
despertou
embebido no sangue
que não era o seu
pétalas destroçadas
de uma margarida
nas mãos
o vento insensível
lambe as lombadas dos livros
num ato desastroso
derruba nossos tsurus
feito dos papéis
com notas de um futuro
leve como um sopro
febrilmente
os reposiciono
com atos desastrosos
enquanto espero
a janela fechar
Cada vez que eu me busco me afasto de mim mesmo
Cada vez que quero que alguem goste de mim esse alguem se vai
Foi apenas quando eu desisti que tudo fez sentido
A pergunta nunca existiu,
e meu erro foi tentar encontrar a resposta
agora os remédios me deixam pensar
as besteiras de envergonhado tentar,
de sair no meio da noite sem rumo
a buscar nos meus sonhos aquilo que tinha em mãos
dizendo palavras
perdido em folhas de um novo diário
que a pouco comprado já não tem mais espaço
pra mentiras tão pouco embaraços
Meu analista me ajuda
mas ao mesmo tempo custo a ver
e conseguir perceber
aquilo que esteve tão perto