abre as asas sobre nós

me vulgarizo com uma facilidade irremediável.

faz pouco tempo que olho pra trás
  e me vejo livre
a liberdade plena e corruptora

a liberdade que permite que eu me dê pesadelos
que eu orquestre o presente com o único intuito de que ele se torne passado

que eu esqueça desse alguém
 - capitão? co-piloto? computador de bordo? -
  que vive por mim

esse cientista
  que vive por mim

a liberdade que não me abraça para não me prender.

amarro minhas mãos
  e me jogo
    ao precipício

despertador

hoje acordei com um texto lindo na cabeça. era sobre a minha avó. sobre uma frase que ela me falava num sonho que tive. um sonho em que ela me aconselhava. ando precisando de conselhos de avó ultimamente. um texto sobre uma resposta bonita, poética, que eu criava para respondê-la e como ela se orgulhava de mim. um texto que esqueci, sobre uma frase que minha avó me disse num sonho que esqueci. um texto sobre a voz da minha avó, que esqueci. sobre como era ouvi-la na varanda do segundo andar, enquanto esperávamos o almoço ficar pronto. um texto sobre como é esquecer o hábito de comentar a vida alheia como se nos importasse. esquecer como é estar do lado daqueles que fazem com que o alheio seja desimportante. preciso de conselhos de avó. preciso repetir pratos quando já satisfeito.

acordei para esquecer as palavras que queria vir a lembrar mais tarde, ao encarar esta página em branco.

hoje acordei com um texto lindo na cabeça. um texto para lembrar de minha avó. para despertar.

de um e de outro

O céu de Belém se cobre de nuvens que desabam metodicamente todos os dias. Pós almoço e antes do sol se ir. “É sagrado”, repetem as senhorinhas que me enchem de bolo de tapioca e suco de cupuaçu. Arma-se sem ruídos, discreta. Aos desavisados, vem de surpresa. Aos locais, de alívio. “Nada mudou por aqui, mas também, o que muda?”. Alguns reclamos, tal como são condizentes da rotina, mas aí dela se não viesse. Aí de tudo que não queremos não acontecesse. Sobre o que escrevia, sobre o que eu derramaria minha chuva?
(...)
Minhas nuvens percorrem distâncias e tentam voltar para este lugar que aprendi a chamar de casa. Por ai, onde um ama e outro odeia. Nesta cidade que leva ‘garoa’ em seu apelido e está seca, de todas as maneiras. Penso no que me espera. Penso no que poderia acontecer se não voltasse. É do meu sangue cigano. A insistência da partida, o ódio pelas despedidas. "E se, e se...?" O telefone brilha constantemente cheio de palavras que não quero ler. De um e de outro. Olho a janela desse quarto de hotel que compartilho com fantasmas. Sinto como se minha pele jamais fosse secar aqui. Torço pra que não aconteça. Por via das dúvidas, lá estou eu, pós almoço e antes do sol se ir, roubando a água de Belém e carregando dentro de mim. Na esperança de descarregá-la aonde mais se precisa. Em um, para que tudo mude. E em outro, pra que nada mude.

o cão covarde

hesitei
em escrever aquele verso
já soterrado por outras lembranças
perdeu-se para sempre
mais um poema das saudades

hesitei
em utilizar aquele verbo
já desgastado por outras lembranças
ganhou-se para sempre
mais uma dama para as saudades

  não há esperança para os covardes
  nas poesias
  ou nas utopias

da precisão e da necessidade

preciso
     de alguém pra poder apontar e chamar de amor.

          tenho tanto, tanto amor em mim

e a pressão do meu peito pede por um foco preciso
     de alguém pra poder apontar e chamar de amor.