Arrependimento post mortem

Morri ontem à noite,
em uma quarta feira nublada de fevereiro às 23hrs.
não doeu nem teve choradeira
a policia chegou depois de 1 hora e levou meu corpo embora
findo

O dia seguinte nasceu e as coisas era as mesmas
não foram necessários meses se passarem para ser como antes de eu nascer
meus familiares aos poucos recuperaram suas mentes nos afazeres da vida cotidiana
e afinal
o mundo não sentiu minha falta

Foi depois de ter perdido o corpo
que cheguei a um lugar escuro no qual ainda podia olhar para a terra,
olhando de longe eu podia ver
e percebi que poderia ter ido mais além
quis voltar, mas já não dava

Eu tinha todo potencial
toda a força e inspiração,
mas o medo venceu no fim

Eu poderia ter abandonado minha familia
ter vivido como mendigo
comido comida do lixo
dormido em abrigos e cemitérios,
ainda sim seria feliz fazendo o que queria fazer
ainda sim abri mão

Quem fez isso comigo senão eu?

Já não posso mais culpar outros sujeitos,
o tu e ele eu dizia,
me impedem de ser, eu dizia

Hoje ainda posso escrever depois de morto
pois todos os mortos ainda escrevem depois que morrem,
é uma das poucas coisas que podem fazer,
no entanto idiota era eu que antes escrevia sem nada fazer

Hoje eu vejo que o infinito estava comigo

e eu preferi a escravidão

203-letra

Composição: Luciano Ratamero e Julio Marins

Você
ouviu os meus passos
indo atrás dos seus
e saiu correndo
fechando a
porta de seu mundo de gatos e discos

cantando
pude ouvir sua voz ao abrir
suas portas a ressoar
vazias
nas escadas
indo embora

Eu sei que acabou
e que não era amor
mas foi o que o apego
deixou pra fazer
de suas frases
um hino de terras distantes

Foi lá que eu fiquei
com um maço e um isqueiro
a lembrar dos cafés
que passamos
em quanto
todos os homens corriam de volta pro lar

[solo]

A casa ainda ecoa
memórias destoam

com mais buracos na colcha
e borras de café
jogadas na pia

Nas festas da noite
agente se esbarra
sem
saber o que pensa e fala
dois bêbados
buscando novos amantes

E nesta história
não quero mais cota
nem saber o que pensa
ou rola
cansei de querer
saber o que sente por mim

[bridge]

Então guardei
os sonhos que fiz
E as promessas
de um tempo feliz

Pra tirar,
da cabeça
A sua
lembrança

As janelas
estão assim
Entreabertas
pois no fim

Não sei
mais
Se é
quem penso querer

[/bridge]

Hipocondria

No momento de desespero
a doença se torna a cura

Sem sentido nas coisas,
Na insônia que rasga madrugadas
o sofrimento parece ser a única salvação,

O alivio do absurdo da vida

A âncora que mantém a sanidade
    se torna tumores,
        doenças sem cura,
            cadáveres
                e
                 catéter entrando pela uretra

Quando o abismo se abre,
e sua mãe está morta

O que resta de você?

Tempo sem desejo

Quanto mais o tempo passa,
mais rápido ele se vai

Com ele se vão as coisas

Aquilo que ontem parecia ser importante
hoje não faz diferença

Assim se vão as coisas,
ou se foram e eu nem vi

Ao mesmo tempo bom e ruim,
pelo julgamento da consciência ainda humana
se vai o que me atormentava
e se esvai sem se perceber o que mais valia à pena

Ele ainda tenta levar de mim meus sapatos
e a corda por onde eu ando
Ao mesmo tempo tranquilo e sem ansiedade
sinto estranho em não querer mais

Será este silêncio o que eu queria,
o será o querer obstáculo para a conquista?

Fazendo sem me importar
acabei encontrando a sinceridade dentro de mim

O outro morreu e no lugar ficou algo que tinha perdido,
algo que sou eu ainda criança,
na infância viajando de carro com meus pais

Se posso chamar alguém de eu,
ele tem 7 anos
e não sabe nada sobre morte ou contas a pagar
ele ainda não sente ansiedade sobre quem vai lhe querer
ele vive feliz olhando pela janela
e o tempo pra ele
não significa nada

we in the grayscale city

an animal
walks into you
you've gotten
the money
the smell
  another fine mess


três tragos de um cigarro imaginário numa caminhada de perder o ar. por outra vez ele se pergunta se há mais caos em si ou em são paulo. sobe uma ladeira, vira uma esquina, se desgasta por conta da pressa de chegar no cinza do outro antes que a cidade se imponha. dois sorrisos, não saber se posicionar na recente vida descoberta do outro em uma cozinha pequena e vitamina com sabores que nunca provou.

pensou em seus próprios novos sabores. pensou em como tem sido doce o sabor de si mesmo. pensou muito sobre aleatoriedades se desenrolando de maneiras concatenadas. até o barulho do avião que faz a ponte-aérea levando um casal qualquer para uma lua de mel no nordeste com escala no rio de janeiro interrompê-lo.

acende outro cigarro imaginário e vai trabalhar.