agora está tudo certo. os contratos assinados, os móveis encomendados, os suores esquecidos. é hora de reduzir o ruído de fora pra dar vez ao que vem de dentro.
nove anos e quatro amores me bastaram para entender a capital. meus primeiros sinais de intolerância, traço característico do meu sangue, se revelam nas músicas que retiro das caixas de papelão.
é pra frente, diz a consciência, com uma bandeja de saudosismos. pra frente, grita, olhando pra trás. meu medo de viver o presente só para o tornar lembrança se confirma cada vez mais - cada vez que visto esse casaco de duas listras.
aos quinze, sem muito dinheiro e noção de moda, eu achava o máximo esse casaco de duas listras. sempre via uma ou três, nunca duas. foram só quarenta reais, eu dizia, sem ideia de quanto custava os adidas dos amigos. cem reais por uma listra a mais, listra que demonstrava algo que eu não sabia o que era: status. listra que, hoje, já não me tem mais valor.
e como a segunda listra que demarca a resistência ao óbvio, essa segunda passagem pelo local da minha juventude me faz renunciar aos velhos hábitos. não há ninguém aqui. ninguém que eu possa dizer que conheço. seus rostos são tão familiares e vazios de conteúdo quanto o que vejo no espelho.
mas o que me fez voltar foi apenas um motivo: essa cidade me permite. esse frio me permite. tudo. e assim como o frio, a cidade e os rostos que reconheço, continuo como sempre estive, eternamente um vulto no canto dos seus olhos.
Já tentei fugir mas não deu
Parecia sonho quando era ainda sonho
onde se queria ir muito longe para encontrar algo,
para realizar a si mesmo em outras terras
Não há outra mentira
Posso ir até a França e a Itália,
Beber chá com Turcos e comer em Bangladesh,
as coisas que precisam ser feitas
continuam aqui
onde eu nasci,
em Niterói
As praças continuam as mesmas
mas ecoam memórias do passado,
Pessoas que eu jurava conhecer muito, hoje me são estranhas,
Quem eu achava que nunca ia dar certo junto,
provou ser um dos maiores acontecimentos nas últimas semanas
O que me pôs em movimento está aqui
Os espíritos que me moldaram ainda estão vivos,
eles me chama constantemente
como vozes na minha cabeça,
me dizendo para continuar e ao mesmo tempo desistir de vez da vida,
Quem pariu tais seres?
As ruas são as mesmas,
no entanto renovadas pelas lembranças do passado
O que me era desconhecido,
hoje me vem à clara através da prática de um diário
Quem foi eu, me pergunto,
Quem foi e continua sendo este panteão de garotas a me provocar, incitando guerra e esperança em meu coração?
O passado nunca está morto
ele vive em mim,
e fugir,
não mais é uma opção
Morri ontem à noite,
em uma quarta feira nublada de fevereiro às 23hrs.
não doeu nem teve choradeira
a policia chegou depois de 1 hora e levou meu corpo embora
findo
O dia seguinte nasceu e as coisas era as mesmas
não foram necessários meses se passarem para ser como antes de eu nascer
meus familiares aos poucos recuperaram suas mentes nos afazeres da vida cotidiana
e afinal
o mundo não sentiu minha falta
Foi depois de ter perdido o corpo
que cheguei a um lugar escuro no qual ainda podia olhar para a terra,
olhando de longe eu podia ver
e percebi que poderia ter ido mais além
quis voltar, mas já não dava
Eu tinha todo potencial
toda a força e inspiração,
mas o medo venceu no fim
Eu poderia ter abandonado minha familia
ter vivido como mendigo
comido comida do lixo
dormido em abrigos e cemitérios,
ainda sim seria feliz fazendo o que queria fazer
ainda sim abri mão
Quem fez isso comigo senão eu?
Já não posso mais culpar outros sujeitos,
o tu e ele eu dizia,
me impedem de ser, eu dizia
Hoje ainda posso escrever depois de morto
pois todos os mortos ainda escrevem depois que morrem,
é uma das poucas coisas que podem fazer,
no entanto idiota era eu que antes escrevia sem nada fazer
Hoje eu vejo que o infinito estava comigo
e eu preferi a escravidão
Composição: Luciano Ratamero e Julio Marins
Você
ouviu os meus passos
indo atrás dos seus
e saiu correndo
fechando a
porta de seu mundo de gatos e discos
cantando
pude ouvir sua voz ao abrir
suas portas a ressoar
vazias
nas escadas
indo embora
Eu sei que acabou
e que não era amor
mas foi o que o apego
deixou pra fazer
de suas frases
um hino de terras distantes
Foi lá que eu fiquei
com um maço e um isqueiro
a lembrar dos cafés
que passamos
em quanto
todos os homens corriam de volta pro lar
[solo]
A casa ainda ecoa
memórias destoam
já
com mais buracos na colcha
e borras de café
jogadas na pia
Nas festas da noite
agente se esbarra
sem
saber o que pensa e fala
dois bêbados
buscando novos amantes
E nesta história
não quero mais cota
nem saber o que pensa
ou rola
cansei de querer
saber o que sente por mim
[bridge]
Então guardei
os sonhos que fiz
E as promessas
de um tempo feliz
Pra tirar,
da cabeça
A sua
lembrança
As janelas
estão assim
Entreabertas
pois no fim
Não sei
mais
Se é
quem penso querer
[/bridge]
No momento de desespero
a doença se torna a cura
Sem sentido nas coisas,
Na insônia que rasga madrugadas
o sofrimento parece ser a única salvação,
O alivio do absurdo da vida
A âncora que mantém a sanidade
se torna tumores,
doenças sem cura,
cadáveres
e
catéter entrando pela uretra
Quando o abismo se abre,
e sua mãe está morta
O que resta de você?