dos objetos que caem

papéis, mochilas e malas estão mais ansiosos com o reencontro do que nossas pernas. nossas pernas talvez só estejam aflitas. afinal, serão elas as responsáveis por não nos deixar desabar quando dados os abraços. já esses objetos inanimados sabem que todas as atenções estarão voltadas para eles. no reencontro, as mãos precisam se ver livres para tocarem o que tanto esperaram. querem logo fazer casa por volta da cintura ou no valezinho da nuca. os dedos a sonhar por refazerem os caminhos já descobertos no passado, mas sempre atentos para quaisquer mudança de rota. para isso, cairão por terra dando início à cena dos objetos que caem. o momento de ouro onde o medo da altura, até de quebrar por ventura, já não pesa mais nada para estes objetos que se sabem importantes. todas as palavras escritas e mudas de roupas seguiram seus caminhos para isto, para este momento. no início, a soltura, aquele pequeno frio no estômago que só as verdadeiras montanhas russas são capazes de reproduzir. e então, numa fração de segundos acelerados pela insensível gravidade, tudo já está acabado e os aplausos inaudíveis já estão a ressoar. permanecem calados no chão, estáticos, a apreciar o resto do espetáculo que passa a acontecer bem longe deles. os murmúrios e suspiros se vão junto com os corpos. só ficam o chão aquecido pelo calor dos dois pares de pés e os objetos inanimados, agora, contentes por encarnarem tão bem seus personagens. abaixam-se as colchas. as luzes se apagam. a platéia já partiu.

no saguão de embarque

amores com passagens de volta não foram feitos para utopias. pelo menos não para as tradicionais. não há tempo hábil para filhos, já que em noves meses existem incontáveis indas e vindas. não há espaço para vestidos brancos e músicas emocionantes, já que os pais não compartilham o conceito de lar. não há espaço para casa pois não se sabe onde é a casa em si. o tempo é sabido por completo, do início ao fim. principalmente o fim. para um amor com passagem de volta, há de se interessar mais não ter planos. toma-se tempo o ato de criar planos, fazê-los crescer e maturá-los com a realidade imposta. tempo que não cabe na medida das despedidas. para um amor com passagem de volta, não valem engarrafamentos, a não ser quando acompanhado. aí, então, descobre-se que não há hora ou lugar para beijos ou abraços quando sabe-se o fim. fila de banco, demoras do garçom, a internet que não volta... tudo que nos faça perceber o tempo parado se torna muito mais interessante do que qualquer filme cultuado ou café da manhã na cama. os amores com passagens de volta possuem cúmplices não em declarações, em cartas ou amigos, mas sim nos taxistas, nas senhoras na fila do pão ou companheiros de elevador. as pessoas que fazem o tempo não passar são os padrinhos dos amores com passagem de volta. todos estes tornam-se provas vivas da fugacidade que compõe os amores com passagens de volta. os amores com passagens de volta não foram feitos para utopias. pelo menos não para as que já tive. aprendo a construir novas no saguão de embarque. as componho em minha cabeça. de novo e de novo.

Meus versos não são deste mundo- ao leitor


Que minha poesia
Te provoque
Nojo
Ódio
Alegria
Arrepios
Desejos
mais sacanas
tristeza
Que você tenha
medo
ao ler cada
pa
la
vra
Mas que você
nunca
nunca
Deixe de sentir alguma
coisa
Ao ler meus versos
porque
ao lê-los
Saiba
Que eles
não são
deste mundo
por isso
te provocarão
tantas sensações.

[S.R.]

as mortes das inocências

homens e pêlos. uma relação de maturidade. primeiro os que surgem na cabeça e trazem junto as descobertas. no primeiro andar, a primeira partida. nas primeiras palavras, as primeiras lágrimas. surgem os primeiros traços daquilo que ele será a medida com que some aquela área branca, disforme e desprotegida que declarava a inocência. os cabelos são a morte da inocência. descobrimos que existem penteados onde antes não havia nada. descobrimos a futilidade nos cabelos. depois vem o resto do corpo naquela sensação desconfortável de enfrentar o desconhecido. a sensação que morre ao descobrirmos o fracasso em nos controlarmos. a morte da inocência da eternidade. percebemos que o nosso corpo é, senão, mera ferramenta para nós mesmos. barba, cabelo e bigode a nos desafiar todos os dias perante hoje o espelho sustentando aquilo que queremos esquecer ou, no mínimo, ignorar. hoje, dos seios de uma mãe negra, nasceu mais um dos guerreiros que marcham sempre ao ponto final. ele surgiu como os outros, encaracolado, teimando em machucar meus olhos e irreproduzível no que diz respeito a posições. um bastardo louvando um hino solitário e de tom diferente de seus irmãos. guardei tanto afeto por esse ser solitário, desejando que, por ventura, seu clã se multiplicasse em minha fértil lavoura capilar. tenho afeto por seres solitários e fios brancos. fios brancos talvez combinem com casas vazias, vinhos e partidas. a morte da inocência de que viveram felizes para sempre.

Entenda-me

 Quando eu mudar
A foto do meu perfil
Não foi para te provocar
Quando eu publicar
 uma letra
De música
 que um dia
já ouvimos juntos
Não estou querendo dizer que sinto sua falta
Quando eu publicar uma foto
Com os meus amigos
Não quero te mostrar
Que superei tudo aquilo
Que você me fez sofrer
Talvez até seja isso
Mas saiba que esta não foi minha
Primeira
Nem a última
Intenção
Quando eu estiver off-line para você no
Bate-papo
Isso não quer dizer
Que estou com raiva de ti
Não posto indiretas
Quando eu curti sua publicação
Ou compartilhar seu status
Não tenha esperanças
Pois não quero nada contigo
Apenas curti a sua opinião
Que antes era tão comum
e hoje tão raro
De acontecer
Ah! E quando eu postar
algum poema
ou crônica
não pense que fiz para ti
ou para demonstrar
para o resto do mundo
o que você me fez sofrer.
Entenda-me,
pois não costumo postar indiretas.

[J.G.]