Todos os Passos

Todos os passos ecoam em harmonia
  um grito contra essa solidão
  
  coletiva.
  
Todos comprimidos
dentro de um trem de ferro
comendo a terra sob outros passos
também ecoando em harmonia
  um grito contra essa solidão
  
  coletiva.
  
Todos os passos rumo ao mesmo objetivo
  chegar
  a
  tempo.

Dentro de um tempo do outro,
  criado pelo outro,
  imposto pelo outro.
  
Todos os passos soando como caixa registradora
  mais metro
  menos tempo
  mais garrafas de whisky
  pra molhar a festa da empresa
  
  coletiva.

Fuga na Cidade Cinza

Na terra do MUITO,
se contenta com

  seu pouco.
  
Pelos exageros monocromáticos
de homens que sonham com o céu,

  trafega com seu bucolismo,
  suas vírgulas,
  um despertar colorido
    - bocejo, pingado, pão na chapa, augusta -
  que toma rumo próprio
  encharcando de vida
  esse chão impermeável.
  
No meio do cimento
prensado e cinza,
  seu grito de liberdade
  em cada esquina.

cortinas

o primeiro respiro
depois de um trago
é sempre o mais lindo

parece que a fumaça
    a poluição
tem o efeito oposto

    livre do vício
        da vida
    a música da harmônica
    pode tocar novamente em meus ouvidos
    como um preparo à passagem
    do coração

        que dá um tempo
        e começa de novo

            - tem fogo?

Paleta

Minha caneta é pincel;
as palavras, as cores...

  Versos são os seus castanhos
largados nesses fios do seu cabelo
por entre os olhos que me cegam.

  Essa estrofe é sua pele bege
cadenciada pro moreno
espalhada pelo seu corpo:
  escura
onde eu posso ver;
  clara
onde eu queria poder ver.

  Poemas se resumem em sua boca
que articula e expõe seu portão
livrando o não e trancafiando a saudade.

  Poemas pintados de vermelho
se misturam em pontuação mal feita:
por vezes ponto final.
por vezes reticências...

O vermelho viabiliza o meu salto
  irresponsável
flutuando com a ajuda dessa cor quente
  assassinando a distância
entre a minha
  e a sua
         boca.

epílogo

hoje, minha mente se comportou como se comportava antigamente. é difícil pensar que já faz quase dez anos que escrevo e que grande parte das vezes que escrevi foi desse jeito, cansado e insone, no frio da madrugada.
minha atenção e compreensão me pregam peças e, quando vejo, estou fantasiando sobre uma festa aleatória que não fui há uns anos atrás ou lembrando de antigos poemas meus, os poucos que não se apagaram da memória.
e é assim que eu quero que eu volte a ser: aquele jovem magrelo, com olheiras das noites sonhadas no papel. quero ser esse sangue derramado em tinta preta, em mais um caderno que não terminarei.
como aquele, fatídico, que perdi na arquitetura, com meus melhores textos e rabiscos, que nunca poderei consultar. que me diria
"dorme, menino levado. dorme, que a vida já vem."