Eu sou as curvas do antigo trem pelos morros,
os nelores ruminando em movimento perpétuo no pasto,
a árvore sozinha, só atormentada pelo vento seco e quente.
Eu sou a poeira do passar do caminhão de leite,
o alvoroço das maritacas no fio de alta tensão,
os formigueiros pisados por brincadeiras de criança.
Eu sou a estradinha que não leva a lugar nenhum e nem tem pressa de levar,
o pé de milho fazendo valer a vida na terra recém arada,
o coreto e a tv comunitária esperando dar a hora da novela.
Eu sou o prazer de enfiar a mão até o cotovelo num saco de grãos de feijão,
o par de havaianas soltas e tortas marcando o gol na praça,
Dona Adélia gritando, chamando os netos para o almoço pronto.
Eu sou a sobra de tempo que mora na mesinha de xadrez,
as lendas e apelidos ofensivos dos mendigos e pedintes,
o tilintar abafado das bolas de gude com a areia do parquinho.
Eu sou saudades,
inocência
e roça.
vou dormir
na hora em que os postes quentes
pensam
que já está na hora de dormir.
mesmo que os galos digam bom dia
que os canários digam bom dia
e até os corvos
mensageiros do sono eterno
digam bom dia
vou dormir.
mas a hora de dormir
a hora em que o interior mais ferve e queima
é a hora em que penso no seu pássaro bom-dia
a hora
em que tudo é luz
menos nos postes
e no lado de dentro das pálpebras.
o ruído do relógio
escondido nos rasantes de
avião
repete
o quanto o tempo
voou embora
com você
Todos os passos ecoam em harmonia
um grito contra essa solidão
coletiva.
Todos comprimidos
dentro de um trem de ferro
comendo a terra sob outros passos
também ecoando em harmonia
um grito contra essa solidão
coletiva.
Todos os passos rumo ao mesmo objetivo
chegar
a
tempo.
Dentro de um tempo do outro,
criado pelo outro,
imposto pelo outro.
Todos os passos soando como caixa registradora
mais metro
menos tempo
mais garrafas de whisky
pra molhar a festa da empresa
coletiva.
Na terra do MUITO,
se contenta com
seu pouco.
Pelos exageros monocromáticos
de homens que sonham com o céu,
trafega com seu bucolismo,
suas vírgulas,
um despertar colorido
- bocejo, pingado, pão na chapa, augusta -
que toma rumo próprio
encharcando de vida
esse chão impermeável.
No meio do cimento
prensado e cinza,
seu grito de liberdade
em cada esquina.