Priprioca e sândalo
Razão,
Você disse de primeira que detestou que eu te chamasse de razão, achou um apelido bobo, porque eu te expliquei na hora que era ~razão da minha vida~ e que também era porque você só queria ser ~dono da razão~ e como eu gosto de te ver aperriado.
Na verdade eu nunca te contei que eu te chamo de razão na verdade, porque eu acho que você é a razão pra mim, de muitos momentos importantes. Tu nem imagina, quantas terapias solitárias eu fiz na minha cabeça, deitada no teu ombro, enquanto a gente dorme de costela e eu reclamo sozinha que eu não tenho mais idade de dormir em cama de solteiro. Mas no final é ali que eu adormeço bem e acordo feliz.
Porém toda essa felicidade não consegue amenizar que tu é incômodo. Pra caralho!
Incômodo de dentro pra fora, tua chatice me incomoda nas entranhas, incomoda porque eu te escuto, incomoda porque por mais bizarro que você pareça ser e mais errado ainda como você se expressa, com esse jeitinho anti social que só tu tem, eu te entendo.
E eu fico sem saber como reagir, porque eu te entendo tanto que isso as vezes me constrange, já que tu é tão diferente. Você quebrou minhas pernas, roubou meu sono e me deixou sem chão.
E o pior é que eu menti quando disse a você que não sabia porque eu gostava de tu. Eu sei. Eu sempre soube.
Você com todo seu caos, me traz paz, me traz vontade de me acalmar, até cogitar falar mais devagar e mais baixo.
Acho que deve ter alguma parada ai de auto (re)conhecimento em querer ser entendida.
Sempre quis ser entendida, mas ninguém me disse o porquê que não estava dando certo, talvez seja essa questão de falar mais devagar e mais baixo novamente.
No alarde, ninguém escuta ninguém. Na gritaria, ninguém entende o outro. Você me ensinou isso, lembra?
Quando tu tá presente, me faço calma, me dá vontade de não falar, sinto que contigo, eu sou entendida sem precisar falar muita coisa. Na verdade sem precisar falar nada.
Eu gosto do fato de você apreciar meu silêncio e não de não me incomodar pra que eu fale.
Não me sinto pressionada por você.
Nesse ano eu percebi que tem muita gente responsável pelas minhas cicatrizações, você cicatrizou a minha paz interior.
Tá certo que de uma forma bem não ortodoxa, mas cicatrizou. Você me fez ter vontade de dividir a vida com alguém novamente. Quando falei isso pra ti, pensasse logo que era com você que eu queria isso. Talvez até fosse você, num futuro bem distante, mas não agora, foi o que eu tentei explicar, que com você eu percebi que dá sim pra voltar a se relacionar sem me sentir invadida, sem me sentir desrespeitada como tantas vezes achei que fui.
Sou apaixonada por você, do jeito mais infantil e bobo possível, daquele jeito que gosta de ficar perto e me pego olhando pra tu com cara de otária, mas no fundo, sei que o que eu tô sentindo tem muito mais fundo e importância por dentro, do que além de fato de que eu só gosto muito do cheiro da tua barba.
Eu só não te digo essas coisas sempre, porque nunca acho que tu escuta depois de 1 minuto de fala ou de 4 linhas escritas. E tá de boa, eu gosto de você sendo assim mesmo.
A gente vai ficar bem.
Embora eu ainda me arrepie de saudade, vai chegar uma hora que vai ficar tudo bem.
portão 07
mundo de cão
Você me abre a porta e já me sabatina:
- Que te parece essa música?
- Você tá me julgando?
- Isso me faz gay?
Um sorriso mole, a camisa meio suja e um beijo molhado. Teus cachos se entrelaçam na minha franja e eu já me perguntando "que diabos eu tô fazendo aqui?"
Menos de meia hora e já uma explosão: reclama do comprimento do próprio cabelo, fala do trabalho, revive viagens, comenta passagens do escritor peruano, lembra de algo e corre pela casa pra me mostrar entre sorrisos tortos e olhares de dúvida. "Ela me entende?". Tento te acompanhar e cito duas músicas e já me emenda outras sete. Comento meu escritor favorito e lá vai você, lembrar da última vez que tomaram cerveja em Nova York e você encheu o velho de entorpecentes.
Eu me canso.
Sou sempre o lado pesado da balança, mas contra você, amigo, sou peso pena.
Quando dou por mim, me arrasta pra cama e sussurra desejos, sonhos de noites passadas, palavras de escárnio mescladas com doçura. Me domina, corpo e voz. Quando termina me chama de louca, louquinha, pirada. "Tá aqui só pra me enlouquecer, é?". Quero dizer que sim mas quero fugir. Você me cansava. Três horas contigo era de um esforço que poucos sobrevivem. Me levanto para um cigarro, reflito antes na sua estante, talvez meu maior fetiche, e vejo sua foto com seu filho. Ali sua robótica de gênio esquizofrênico se esconde, morre, desfaz. Ali é um sorriso (ainda torto), o menino nos braços e a grama verde verdinha do parque. Minha mente viaja. Penso na mãe, penso na gravidez, penso se houve casamento e começo a cantar Rubel baixinho. Eu sempre escutei Rubel pensando em você, porque eu sabia que nunca daria certo, como não deu, mas eu pensava "eu sei vai dar errado, a gente fica longe e volta a namorar depois". Um presságio, meio vontade, meio ojeriza.
Você surge do seu quarto, meu casaco nas mãos e um bocejar nos lábios. "Babaca", eu penso. Uma coisa é eu querer ir embora, como já queria, outra coisa é você me tocando daqui.
"Babaca, babaca, babaca".
Mal vejo meu pequeno prédio numa rua vazia em casa, uma mensagem. Outra no dia seguinte e mais uma na manhã que vem. "Foi a última vez", me repito. "Chega, chega!".
Uma cerveja e um desabafo entre amigos.
Duas e "não fode" vira "talvez talvez".
Na terceira te ligo. "Vem, minha linda, pode vir."
- Que te parece essa música?
cosmos
cep 20.000
no metrô zona sul
de ouvidos fechados
ouvi uma pessoa declamando poesia
ele era
homem
branco
limpo
declamou
uma atrás da outra
drummond
leminski
até uma
dele mesmo
que poesia há
em suas palavras
másculas
brancas
limpas?
a poesia de ouvidos
tão fechados quanto os meus.