meditação

de vez em quando, me deixo absorver pela escuridão

ela não é fria, ou morna,
                ou assustadora

toco meu rosto, meu peito, com a ponta dos dedos,
     livre de qualquer julgamento ou consciência

não sou mais um animal,
     nem sofro ou sorrio ao ver as memórias
que desfilam, sem ordem e contexto,
sem pretensa de verdade

não sou liberto nem presidiário
não sou problema ou solução

até o momento em que involuntariamente
     parte de mim tateia a luz remanescente

a humanidade e o clarão
a nova, a refeita, realidade

liberdade em mim

sete silêncios
me prendiam

a voz que cria
os barulhou
um
a
um
até sobrar o maior de todos

                            eu

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quinhão

a hipocondríaca síndrome
de varandas gourmet
curando a fobia em ser assistido
por ninguéns

a segurança das lágrimas do lar
escondem um fracasso
exposto e esmagado
pelas horas do rush públicas

o pão e o vinho na santa ceia urbana
ter e possuir
garantem não mais a salvação,
mero detalhe cristão
o perdão maior numa metrópole
é exonerar-se do outro
              do roubo
              do novo
              do gozo

encarcerar-se em grades
blindar-se em vidros
resguardar-se em modas

tornar-se, enfim, propriedade e
cidadão
  - eventualmente de bem -
propriamente dito
e adquirido

              [dos lados de fora
               o eterno sonho do carnaval
               a nos velar]

sopros de lar

ilhados em silêncio,
nós dois perdidos
num mar de táxis amarelos

o emprego de navegantes
abrindo novas feridas
jorrando um sangue vivo
coagulando-se só quando em paz

a fuga
  o silêncio hemorrágico
em seu fim

nos cruzamentos dos olhares
os faróis da compreensão
se acendem e iluminam
a calmaria que nos permite velejar
por novas promessas

afluir por nosso mar
seguir às casas que inventarmos
para sempre curandeiras
de nossas dores e desejos

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toda esperança morre
na puberdade
do absurdo