Já tem tempo que esse infernal processo dominical me acompanha. A maquiagem mal tirada, corpo pesado, os lábios que despertam mais vermelhos que o comum. A manhã incrivelmente longa e sem sono. Me distraio com o que posso, todas as banalidades. E encarando a parede e segurando o choro, eu percebo: a casa ainda tinha confetes. Resquícios de uma festa que nunca existiu. 'Aqui é festa amor, e a tristeza em minha vida', cantavam no palco um pouco a mais de uma semana. E eu sempre achei que essas palavras diziam tanto, mas não era verdade. Nunca houve realmente a festa, só a sujeira no dia seguinte. Os malditos confetes que continuavam grudados pela casa, mesmo com todo o esforço, toda atenção, era sempre possível encontrá-los perdidos em todos os cômodos. Confetes estes que você prometeu vir tirar, e isso nunca aconteceu. Principalmente porque eu não queria que eles sumissem. Eu gostava de encontrá-los, me dava uma motivação pra continuar. Mas a casa nunca foi só minha, e o incomodo era grande. Todo mundo dizia que não fazia sentido, que precisava tirá-los de uma vez. Eu entendia, eu concordava mas continuava insistindo. Hoje, eu tirei todos eles. Cada um. Com ajuda, claro. Por que a casa não é só minha, apesar de eu ser a única culpada por terem ficado aqui por tanto tempo. Não mais. Nunca mais.
amiga
o tempo passou e ainda brota em cada canto
seu nome
em tinta colorida
não falei contigo por medo
confundo facilmente amizade com convívio
e nada mais devo ter em comum com você
te escrevo pra dizer
que conquistei a vida
e que nada me importa mais
que os problemas
soam como sirenes
como sereias
aos meus ouvidos
que não sabem mais reconhecer a sua voz
que não sei seu endereço
e o quanto queria poder visitar algum lugar contigo
seja quem for
só pra um chá
por um inverno
que meu propósito não existe
e que só vivo pra te escrever
em mais uma carta
ando sentimental
em tudo o que há
ausência
o tombo da criança
a voz de Cazuza sozinha
um peito vazado na noite
porta-retratos vazios
de tudo que é vivo
ninguém há de me entender
ou brincar de psicólogo
exceto as gaivotas
flertando com o mar
os ventos fortes do mar
mas eternas
amantes ternas da terra firme
as pessoas me vêem e me dizem
que nem parece que eu terminei
uma relação tão profunda e tão longa
que eu pareço radiante, leve
e até mais bonito
eu não sei se acredito nisso
que era o que eu precisava pra ser feliz
ou se é porque
todos os dias
uso o sabonete de rosto que ela deixou
pra ver se acaba logo
'Que vaca egoísta'. É isso, é o que todas somos. Oferecer os braços abertos, sexo quente e um peito saltitante. Se não fosse tão ordinariamente comum, diríamos o quão pequena a vaca egoísta é. Mas ao inferno, nós dizemos da mesma forma. Também porque somos cegas. O umbigo está muito abaixo para se olhar, e cá entre nós, se você também faz parte, sabe que a bunda magra alheia é muito mais interessante de se morder.
Mas uma, uma em cada cem vezes nós choramos. Todas juntas, sem bebida, sem cigarro, sem foda de apoio. Choramos a mediocridade, sonhos não realizados, os quilos não perdidos, os amores desgraçados, a alma empobrecida e a pouca água que nunca é suficiente pra fazer correr tudo que foi visto.
Nos escondemos em nossos buracos, buscamos força no que não existe: a mulher intangível. A gente até jura que não sentiu nada, que 'aquele não era pra ser'. Mas o 'não ser' pesa e o espírito feminino é naturalmente um fardo, que no fim da vida (vivida) já não caminhamos majestosas como viemos, e sim nos rastejamos caminho de volta ao útero, transformando no trajeto cada célula em tristeza, fecundando a terra, nutrindo o ciclo vicioso, mantendo a amargura eterna.