as pessoas me vêem e me dizem
que nem parece que eu terminei
uma relação tão profunda e tão longa
que eu pareço radiante, leve
e até mais bonito
eu não sei se acredito nisso
que era o que eu precisava pra ser feliz
ou se é porque
todos os dias
uso o sabonete de rosto que ela deixou
pra ver se acaba logo
'Que vaca egoísta'. É isso, é o que todas somos. Oferecer os braços abertos, sexo quente e um peito saltitante. Se não fosse tão ordinariamente comum, diríamos o quão pequena a vaca egoísta é. Mas ao inferno, nós dizemos da mesma forma. Também porque somos cegas. O umbigo está muito abaixo para se olhar, e cá entre nós, se você também faz parte, sabe que a bunda magra alheia é muito mais interessante de se morder.
Mas uma, uma em cada cem vezes nós choramos. Todas juntas, sem bebida, sem cigarro, sem foda de apoio. Choramos a mediocridade, sonhos não realizados, os quilos não perdidos, os amores desgraçados, a alma empobrecida e a pouca água que nunca é suficiente pra fazer correr tudo que foi visto.
Nos escondemos em nossos buracos, buscamos força no que não existe: a mulher intangível. A gente até jura que não sentiu nada, que 'aquele não era pra ser'. Mas o 'não ser' pesa e o espírito feminino é naturalmente um fardo, que no fim da vida (vivida) já não caminhamos majestosas como viemos, e sim nos rastejamos caminho de volta ao útero, transformando no trajeto cada célula em tristeza, fecundando a terra, nutrindo o ciclo vicioso, mantendo a amargura eterna.
o amor existe
e não há o que me convença do contrário
mas ele não é uma pessoa, nem um potencial,
não é tópico, trópico, nem tem um pingo de sexual.
ele existe
e se revela
como uma antiepifania que
em vez de se realizar pela repentina resposta genial
se materializa do ar ao você se propor
um momento de confusão
entre
onde termina você
e
começa todo o resto
(por favor,
entre)
se eu me deixar transparecer, me desculpa
é culpa
minha
juro que tento ser tão leve
como o sol nesse frio
seu casaco
que é quase um kimono
de pijama
eu acabo focando muito no que há de mal na vida
e perco o sorriso no desejo
de algo ruim acontecer
essa é a forma que tenho de me forçar
a reagir, me dá a mão
vamos anoitecer
acho
tão engraçado
quando o corpo
fala,
a alma
cala
e o tempo
para:
acho tão engraçado
quando o beijo
não une,
só separa.