Bengalas

No banco duro e frio, descansei.
À frente, o rio e seu carregar cadenciado.
Atrás, a rua e seu parar demorado.
O barulho ofensivo dos motores
ignorados por acordes e poesia.

    macrotons
    
O tempo quis seguir os compassos
marcados pelo refrão.
A água pára esperando o clímax.
A respiração, desde já afetada,
não consegue se conter
    e se contenta no contratempo.
    
Com o primeiro verso,
    a primeira lágrima.
Com a primeira lágrima,
    a última culpa.
    
Na explosão de palavras e som misturam-se
    o grito,
    o vento,
    o choro,
    o inverno,
    a cidade,
    o adeus.
Todos levados pelo rio,
algus boiando, outros tantos
    afogados de preferência.
    
Eles seguem pelas ondulações,
batem nas margens,
se confudem nas curvas,
se machucam nas quedas d'água.
Depois de tanto rolar, o encontrar
    com outros restos de alguéns.

Partem juntos e mais fortes,
abraçados em sua solidão,
aguardando a redenção,
visando o desaguar na imensidão.

E ele chega:
O mar, cemitério de amores.
O mar, a liberdade.
O mar, o fim.
Só há mar.

submundo

o submundo é subjetivo
é aquilo que você nega
é aquilo que você despreza
é o que você julga
  - arrogantemente -
como câncer social

o submundo é o seu subconsciente
  - plenamente consciente -
da sua existência ínfima
vã por definição
e a caminho de acabar
numa mesa de sinuca
jogando com uma puta da praça mauá

No Cubículo Sujo (ou Prazer)

O jato de mijo quente
Vazando por meu pau
  meio flácido,
  meio rígido...
Tudo por conta daquela morena
  gostosa por excelência
na fila do banheiro do bar.

Cachaça Certeira

bebo a primeira cachaça...
  desce o amargor
  a indiferença
  as mesas vazias
  a mulher de vermelho no canto;

tomo a segunda dose...
  descem as palavras
  a semelhança
  as pessoas chegando
  a linda de vermelho no canto;

expurgo o terceiro trago...
  desce o riso solto
  a vizinhaça
  o cavaquinho sendo afinado
  a utopia de vermelho no canto;

entorno a quarta talagada...
  desce o cantar
  a esperança
  o samba de roda
  a perfeição de veremelho no canto;

brindo o quinto complemento com o vermelho...
  desce o calor
    muito parecido com nossas conchas
    construídas a beira mar da sua cama
  a perseverança
    do solitário prolixo
  a agonia do samba
    que não morre nunca
  o corpo dela,
    sem vermelho,
      no canto da cama;